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Notícia

O mercado é a sociedade

Não temos de continuar patinando nos juros altos, que, no âmbito da economia de mercado, favorece um único setor, o financeiro

O relatório sobre a economia mundial recentemente divulgado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), no qual cai para 3,8% a projeçao de crescimento do PIB brasileiro em 2011, mostra claramente quao correta foi a diminuiçao da taxabásica de juros decidida na última reuniao do Copom, e evidencia a importância das mudanças que se observam na política macroeconômica do governo. A presidente Dilma Rousseff, ao anunciar o PlanoBrasil Maior, apesar deste estar muito longe de restabelecer uma competitividade mínima para se produzir no País, deixou claro ser necessário estimular a produçao, conter a desindustrializaçao e priorizar o crescimento econômico. Tudo isso, sem deixar de manter a inflaçao dentro de parâmetros adequados, de modo congruente com as atribuiçoes indiscutíveis do Banco Central.

Embora o raciocínio seja correto, considerando que o Brasil deu-se bem no contexto da crise mundial ao estimular o consumo interno e adotar medidas emergenciais de fomento e levando em conta o presente quadro de incertezas nos Estados Unidos e Europa, o novo olhar do governo e das autoridades monetárias para os setores produtivos gera reaçoes adversas. As mais incisivas, as vezes corroboradas por consultores e economistas voltados as análises de conjuntura macroeconômica, vem do setor financeiro, que insistentemente parece querer comandar as tendencias das políticas públicas relativas a economia.

Obviamente, esse segmento é de extrema importância e não se pode negar-lhe o mérito da boa gestao no Brasil, da solidez e da responsabilidade de nossos principais bancos, que foram fatores importantes para que, em 2008 e 2009, ficássemos menos suscetíveis a crise internacional. No entanto, tais virtudes não significampredominância sobre os demais setores e tampouco acima dos interesses maiores do País, que deve priorizar a produçao, a criaçao de empregos em larga escala, a geraçao de renda por meio dos investimentos produtivos e do trabalho e sua distribuiçao mais justa, através dos salários.

O setor financeiro não é o Brasil, mas sim integrante de toda uma economia complexa, na qual não podem ser preteridos os que geram produtos, bens e serviços mensuráveis pelo valor agregado, investimentos, mao de obra ocupada, renda e tecnologia empregada e atendem as demandas do mercado interno e exportaçoes. Também é importante lembrar que o investimento em produçao, hoje, é condiçao fundamental para evitar o crescimento da inflaçao amanha. O mercado, a rigor, somos todos nós; é a sociedade, que sofre com a precariedade do ensino e da saúde, as agruras da insegurança pública e as incertezas sobre o futuro imediato, nummundo volátil e marcado por crises intermitentes.

Apesar desse contexto desafiador, estamos diante de grande oportunidade para remover alguns entraves a um novo salto de progresso socioeconômico nos próximos anos. Temos boas condiçoes para aprofundar o fortalecimento do mercado interno, no qual ingressaram 53 milhoes de pessoas desde 2003 (estudo “O emergente dosemergentes” - Fundaçao Getúlio Vargas/BID). Uma questao menos debatida, mas igualmente importante, é como será atendida a demanda criada pela manutençao dessa tendencia de crescimento da renda da populaçao. É primordial o fortalecimento da indústria, de modo a evitar uma excessiva dependencia externa, e, principalmente, gerar, pelos efeitos diretos e indiretos que o setor possui em toda a economia, o necessário aumento no emprego dos milhoes de brasileiros que ingressarao no mercado de trabalho nas próximas décadas.

O Brasil detém diversos atributos dificilmente imitáveis, dentre eles a maior área agricultável do Planeta para a produçao de alimentos e biocombustíveis de fonte limpa e renovável, uma riquíssima dotaçao de matérias-primas básicas essenciais ao funcionamento da economia mundial, e matriz energética na qual predomina a hidroeletricidade, a melhor resposta para os desafios da sustentabilidade. Todavia, todas essas vantagens comparativas não tem se traduzido em diferenciais competitivos, o que resulta em um ritmo de desenvolvimento econômico muito mais lento do que o dos países com os quais o Brasil concorre no mercado internacional e ainda insuficiente para as necessidades da sua populaçao em termos de criaçao de emprego e renda.

Portanto, não temos de continuar patinando nos juros altos, que, no âmbito da economia de mercado, favorece um único setor, o financeiro, em detrimento da sociedade como um todo. Torna-se urgente aumentar a eficiencia do Estado e solucionar, sem mais demora, a questao tributária, realizando a todo custo as mudanças que esperamos há mais de duas décadas, desde a promulgaçao da Constituiçao de 1988. Outras medidas prementes sao reduzir a burocracia e acabar com o gargalo da infraestrutura, que também onera a produçao.

O Palácio do Planalto tem sinalizado no sentido de que percebeu tais prioridades e que, paulatinamente, volta-se a seu atendimento. É hora de estimularmos essa concepçao de atuaçao do Estado, mais focada no desenvolvimento econômico, em lugar de uma visao exclusivamente de curto prazo. não há mais como postergar a soluçao dos problemas crônicos da economia real. É hora de perguntar sobre qual futuro queremos ter: eterno emergente ou naçao do primeiro mundo?