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Notícia

Economista avalia medidas de ajuste fiscal e aponta desafios de 2015

Tudo indica que a situação da economia ainda vai piorar, com aumento do desemprego e queda na renda dos trabalhadores, devido à inflação alta

Sem o regaste da confiança, o país não conseguirá retomar o crescimento econômico, avisa o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. A reconstrução da credibilidade virá, no entender dele, da entrega do superávit primário de 1,2% do Produto Interno Bruto (PIB). “O ajuste fiscal é importantíssimo para o país. Não podemos esquecer que, nos últimos anos, os erros na gestão das contas públicas foram gritantes”, diz.

Para Gonçalves, tudo indica que a situação da economia ainda vai piorar, com aumento do desemprego e queda na renda dos trabalhadores, devido à inflação alta. Ele ressalta que ainda não dá para projetar, de forma mais exata, qual será o tamanho da recessão do Brasil em 2015, pois o risco de racionamento de energia, que não está nas contas, é premente.

Nos cálculos do economista, o PIB cairá 1,5% neste ano. Será o pior resultado da economia em pelo menos 25 anos. Ele acredita que ainda há espaço para novas altas do dólar, que, num primeiro momento, não estimulará as exportações na velocidade desejada pelo governo. Confira a íntegra da entrevista abaixo

Qual sua avaliação do cenário econômico atual?

É difícil ver uma situação em que a conjuntura piora tão rápido, em três meses, como ocorreu. Hoje, todo mundo acredita que o PIB vai cair. A diferença é quanto. A nossa projeção aponta para retração de 1,5% da atividade. Tudo depende muito de cenários extremos. São coisas que não dão para avaliar na conta, como o racionamento de energia. Estamos mais confortáveis de um lado e menos de outro em relação a 2001, quando houve racionamento. Naquele ano, a economia estava andando melhor do que hoje. Portanto, a atividade fraca significa que parte já piorou.

Quando veremos recuperação da atividade?

As fontes de recuperação são várias. É melhor ir uma por uma. A economia anda quando as pessoas estão consumindo. Dá para imaginar que o consumo, que está desacelerando, vai se recuperar sozinho? Não dá. A inadimplência, se olharmos nos dados do Banco Central, ainda não está ruim, mas, em algum momento, ficará. A concessão do crédito está caindo. No mês passado, cresceu 11%, mas o avanço já foi de 25%. O crédito está crescendo mais devagar porque a incerteza para as famílias está aumentando e, mesmo que não apareça na inadimplência, fica o medo dela, por isso, as pessoas pedem menos empréstimos. A incerteza do sistema financeiro também limita o crédito. Há um conservadorismo de um lado e de outro. O crédito poderá se reduzir ainda mais. Se o nível de atividade ficar estável ou uma queda de 1%, não podemos imaginar que o crédito continuará crescendo 10%.

O que deu errado?

A insistência em um modelo baseado no consumo, que se exauriu. As pessoas compraram automóveis, geladeira, fogão, televisão. Mas não comprarão isso de novo por pelo menos quatro anos. Esse ciclo, que está associado com o nível de emprego e de crédito, se foi. É preciso ter outro ciclo, com outra melhora de emprego, de renda e de crédito. Mas eu não consigo enxergar isso. 

A presidente Dilma Rousseff foi à TV pedir paciência aos brasileiros. Mas tudo indica que a situação da economia ainda vai piorar, com aumento do desemprego?

Essa é a perspectiva do mercado. A oferta de emprego vai diminuir, assim como a renda, uma vez que a inflação está muito alta. Para fazer o ajuste fiscal, o governo está aumentando impostos. A economia vai sofrer com isso.

Para piorar, o dólar está em disparada e pode subir mais. Falam em R$ 3,50 ou mesmo R$ 3,80.

São muitas as incertezas. Tantas que nem temos a garantia de que o lado bom da desvalorização do real virá na velocidade que o país precisa: o aumento das exportações. O ideal seria que o dólar estivesse mais forte entre 2004 e 2008, quando os preços das commodities (produtos básicos vendidos pelo país) estavam subindo e as quantidades vendidas eram enormes, devido à demanda da China. Hoje não tem isso. A China está crescendo mais devagar e as cotações das commodities caíram. Certamente, um dólar mais forte ajuda, mas não é como antes. De qualquer forma, é pelas exportações que o país tem mais chance de crescer.

Muito da alta do dólar decorre da fragilidade política do governo para aprovar o ajuste fiscal prometido pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy. Como o senhor avalia isso?

O ajuste fiscal é importantíssimo para o país. Não podemos esquecer que, nos últimos anos, os erros na gestão das contas públicas foram gritantes. E o maior deles, a desoneração na folha de pagamento das empresas. O melhor teria sido o governo continuar cobrando impostos e destinando os recursos para a economia. 

Há um temor generalizado dentro do governo de que a demora na aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso leve as agências de risco a rebaixarem o Brasil. Houve um voto de confiança ao ministro da Fazenda. O prazo  e validade está vencendo?

Temos que ver bem o que o governo conseguirá fazer do ajuste e para onde ele aponta. Creio que o prazo de validade é dinâmico. É importante deixar claro que política fiscal exige escolhas, sacrifícios. Caso algumas das propostas não sejam aprovadas, terá que se tirar de outro lado. E eu acho que tem de onde tirar. Sei que a discussão sobre um possível rebaixamento do país está na mesa, mas não creio que estejamos prestes a perder o grau de investimento. No caso da Petrobras, que foi rebaixada, havia indicadores inequívocos para isso, a começar pela falta de balanços trimestrais. Não é o caso do Brasil. O país está longe disso.

Os percalços para a aprovação do ajuste são claros. O senhor está confiante?

O importante é que o ministro da Fazenda está tentando dar transparência para a situação das contas públicas. Está adotando medidas que aumentam a arrecadação e cortando despesas como, por exemplo, os benefícios a viúvas. É relevante que o ajuste fiscal seja feito para que o país retome o crescimento econômico. As pessoas estão contando muito com o cumprimento da meta de superávit de 1,2% do PIB.

A falta de credibilidade do governo é grande, sobretudo entre o empresariado.

Já disse, em um reunião no Banco Central, que o espírito animal dos empresários está mais para vegetal ou mineral. Para recuperar a disposição dos industriais de investir é preciso que o ajuste fiscal tenha sucesso. Com as contas públicas arrumadas, a confiança voltará. Não podemos esquecer que o governo está sem condições de gastar. Até as grandes estatais, como a Petrobras e a Eletrobras, estão reduzindo investimentos.