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Você está preparado para sobreviver ou empreender?

Arriscar o patrimônio em um novo negócio ou distribuí-lo em aplicações financeiras para obter uma renda e se manter no período de crise. Saiba como fazer essa escolha

Deixar para trás uma renda mensal estável para obter um ganho crescente à frente de um negócio próprio é o que geralmente vem à cabeça de pessoas que deixaram o emprego assalariado formal - em consequência de uma decisão própria ou pelo empurrão de uma demissão inesperada.

Nas duas situações, é preciso fazer um planejamento para que essa transição não resulte em perdas financeiras para o empreendedor. Mesmo quando a decisão de empreender é tomada pelo instinto de sobrevivência - como uma alternativa à escassez de vagas no mercado de trabalho - também não deve ser guiada apenas pelas emoções.

Em primeiro lugar, é importante conhecer a realidade financeira pessoal e familiar.

"É ter um orçamento, com todos os gastos compromissados e frequentes, para saber quanto será preciso ter de reserva financeira durante um tempo, ou até que o empreendimento comece a dar retorno", afirma Ricardo Gomes da Silva, CFP (Certified Financial Planner) e planejador da LifeFP.

Com essa informação, é possível saber quanto de uma rescisão trabalhista ou mesmo de uma poupança construída ao longo do tempo deve ser guardada para a sobrevivência e que parcela dela pode ser investida em um empreendimento.

Foi o que fez a empreendedora Ana Lúcia Serpejante, dona do e-commerce de bijuterias e semijoias Anna Acessórios. Depois de trabalhar por 20 anos na área de vendas de uma agência de turismo, ela foi demitida em janeiro do ano passado e não pensou duas vezes: quis abrir uma loja virtual de bijuterias.

"Percebi como era fácil para o consumidor comprar passagens pela internet e pensei na loja virtual por causa disso. Escolhi bijuterias porque era algo que eu fazia em casa, na juventude, como um hobby. Só que optei por revender as peças", diz.

Ana Lúcia conta que abriu o negócio com apenas metade da rescisão que havia recebido da empresa na qual trabalhava. "Logo abri um MEI e uma conta no banco para a empresa. Sempre achei importante não misturar as contas pessoais com as da empresa, mesmo porque eu precisava pagar pela mercadoria e plataforma do site", afirma.

Depois, ela buscou cursos no Sebrae-SP para aprender acalcular adequadamente os preços de venda e achou que tudo fluiria rapidamente assim que colocou a loja no ar, em julho. Mas percebeu que a Copa do Mundo não estava ajudando os negócios. Ana Lucia aproveitou esse primeiro revés para corrigir a rota de seu negócio e investiu em marketing digital.

Neste ano, ela passou a oferecer um novo segmento de semijoias com temas PET (pingentes de cachorro, gato, patinha) que podem ser usadas por donos e animais. "Fiz um levantamento de quanto poderia investir e quais os custos envolvidos, inclusive com marketing. Tive de usar novamente recursos próprios", conta.

A empreendedora diz que ainda não teve retorno do investimento, mas já consegue ter caixa para girar a operação, sem precisar de empréstimo dos bancos. "Tenho paciência para esperar pelo retorno do investimento. Continuo com uma reserva e tenho apoio do meu marido", diz.

A separação das contas, como Ana Lúcia fez, é a primeira lição para quem quer empreender, segundo especialistas em finanças.

Maria Angela Nunes Assumpção, planejadora financeira CFP e sócia da Money Plan, diz que mesmo depois de abrir empresa, os pequenos têm muita dificuldade em fazer a separação entre o caixa e o bolso. Ao longo do tempo, completa, isso leva à insolvência das finanças pessoais e da empresa.

"Muitos têm procurado ajuda para sair de dívidas e, quando começo a investigar, vejo que o empreendedor colocou todo o patrimônio na empresa, que está dando prejuízo. Em casos extremos, não havia viabilidade de o negócio continuar aberto. Mas o dono não enxerga essa realidade e, por razões emocionais, joga todo o patrimônio da família ali", explica.

Quem chega nesse ponto, segundo Maria Angela, passa por um momento de estresse tão forte que perde a capacidade cognitiva de decisão e age apenas guiado pela emoção.

Ao colocar no papel e planejar quanto será gasto em um novo negócio e de quanto será a reserva para o pagamento de despesas por um determinado período, o empreendedor acaba deixando essa análise mais fria e menos emocional.

"Por isso essa separação deve ser feita logo e com calma, com um bom plano de negócios para a empresa. Muitas vezes a pessoa monta um negócio com tudo o que tem e a empresa até tem potencial, mas precisa de um tempo de maturação maior. O empresário não tem capital para todo esse tempo e acaba entrando no endividamento bancário", afirma.

Por isso, a dica de Silva, planejador da LifeFP, é não ter uma visão de curto prazo ao investir recursos próprios em uma empresa, já que ela pode levar muito tempo para começar a gerar retorno financeiro. "E enquanto isso não ocorrer, o empreendedor pode ter que trabalhar sem ter um salário", afirma.

Mesmo que seja possível retirar um pró-labore no começo, o valor deverá ser baixo e, por isso, empreendedor deve aceitar a possibilidade de ter um padrão de vida mais baixo no começo do negócio.

"Além disso, ele receberá menos e trabalhará mais. Por isso, precisa ter o apoio da família e ter uma reserva financeira para suportar pelo menos um ano ou dois anos as despesas fixas pessoais. É importante que ele não retire da empresa mais do que ela pode dar", afirma Wagner Paludetto, consultor financeiro do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo).

Ao saber exatamente qual o orçamento pessoal e quanto será necessário para manter a empresa, com base em um plano de negócios, o empreendedor deverá observar todas as despesas ereduzir custos - em casa e na empresa.

Depois, terá de definir quanto poderá retirar de pró-labore da empresa, ao subtrair da receita de vendas os custos fixos e variáveis, bem como os impostos.

"É na última linha que aparece o quanto o empresário pode retirar de pró-labore. E isso deve ser feito de forma muito clara porque, se houver a mistura de recursos da pessoa física com a da pessoa jurídica, não dá para enxergar esse resultado", afirma Maria Angela.

Isso é importante, inclusive, se a nova empresa for constituída com sócios.

"Se convidar um sócio que apenas vai colocar capital na empresa, ele deve ter direito a dividendos. Se a outra parte entrar com trabalho, deve ter um pró-labore. Tudo deve estar no contrato social, que é como o casamento, um papel que se assina quando se está de bem para usar quando se está de mal", explica Silva.

O planejador também sugere que, no caso de sociedade, as competências sejam complementares. "Não adianta a empresa ter três sócios que gostam de fazer as mesmas coisas. Um tem de ser bom no comercial e outro na administração, por exemplo. Isso vale para qualquer negócio", diz.

Por isso que a transição deve ser bem planejada, com projeções sobre o retorno e também avaliação de riscos, ou seja, com tudo que pode acontecer do momento atual até a realização do objetivo.

A etapa de planejamento, segundo Paludetto, é a mais importante e requer tempo para fazer um estudo da viabilidade do negócio.

"Às vezes, a conclusão é que o melhor é não arriscar todo o dinheiro na empresa e sim protegê-lo em aplicações financeiras. A pessoa pode se dar um tempo para estudar todos os aspectos do negócio que pretende abrir. Já vi gente que alugou espaço para abrir um restaurante e precisou pagar o aluguel por seis meses, sem operar, até obter a licença de funcionamento", diz.

O consultor do Sebrae-SP recomenda fazer cursos de capacitação - inclusive à distância - e, principalmente, não aceitar uma oferta para compra de um ponto comercial que aparentemente possa ser tentadora. "Esse tipo de decisão às vezes é tomada com muita pressa e impulso e se torna uma armadilha para as finanças do empreendedor", afirma.

O mais importante é que, nesse plano, o empreendedor possa se autofinanciar e não precisar de recursos de bancos, que além de difíceis de conseguir, também têm um custo muito alto - especialmente nas linhas de crédito que não precisam ser aprovadas pelo gerente como o cheque especial e o cartão de crédito.

Na fase de planejamento, Paludetto também orienta o empreendedor a traçar cenários conservadores para as vendas e o próprio andamento do negócio.

"Não seja ingênuo ao fazer projeções otimistas demais. Geralmente o empreendedor acha que em seis meses já terá lucro porque se baseia em um caso bem sucedido e que apareceu na TV. Isso motiva, mas não dá para se basear apenas nessas histórias. Ao planejar, não se deslumbre", conclui.