Notícia
Dois anos de Cadastro Positivo: os juros realmente caíram?
Antes que a janela dos juros em mínima histórica pudesse de fato ser aproveitada pela população, o BC precisou mudar sua política monetária
Em abril de 2019, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a Lei Complementar 166/2019, fazendo com que a adesão ao Cadastro Positivo se tornasse automática. Ou seja, toda população passou a ter seus compromissos financeiros coletados pelos birôs de crédito (a menos que pedissem para não fazer parte do processo), que por sua vez calculam o score, uma espécie de índice de bom pagador, de cada consumidor.
À época, o movimento foi visto como revolucionário pelos Gestores de Bancos de Dados (GBD), que esperavam melhorar e baratear a oferta de crédito no país, além de injetar até R$ 1,3 trilhão no mercado. "O cadastro começou a valer em 2013, mas não agregava tanto valor. A gente tinha 8 milhões de registros entre pessoas físicas e jurídicas", diz Dirceu Gardel Filho, CEO da Boa Vista Serviços. A empresa comanda o setor juntamente com Serasa Experian, Quod e SPC Brasil.
"Hoje já ultrapassamos a marca de 140 milhões de registros." Nessa linha, oito anos depois da primeira versão da lei e dois anos depois de sua mudança estrutural, um relatório do Banco Central de abril de 2021 mostra que houve uma redução na média da taxa de juros paga pelo consumidor brasileiro. Os valores caíram, de agosto a dezembro de 2020, 10,4% para a população com cadastro e 15,9% para os 25% com a maior variação da nota de crédito.
"Esta queda equivale a 31 p.p., quando considerada a taxa de juros média de 299% ao ano observada nessa amostra de operações. Entretanto, essa redução atingiu o equivalente a 40 p.p. quando considerada a taxa média de 257% deste grupo específico, para os tomadores cuja diferença entre as pontuações de crédito com e sem a inclusão dos dados do Cadastro Positivo foi maior", diz o texto.
Ou seja, há indícios positivos sobre o primeiro biênio do Cadastro Positivo em vigor. Mas, por uma série de fatores, é difícil medir o tamanho do seu sucesso até aqui. O próprio relatório do BC indica o primeiro deles: a pandemia do novo coronavírus, já que o fechamento da economia fez com que o mercado de crédito se comportasse de forma não necessariamente replicável.
Taxas elevadas
Um segundo ponto, este apontado por economistas ouvidos pelo CNN Brasil Business, é o valor de referência das taxas analisadas. "De fato, o custo médio passou a ser menor para quem está no Cadastro Positivo. Mas estamos falando, neste caso, de cheque especial, cartão de crédito, que têm taxas muito elevadas. Mitiga o problema, mas ainda não resolve", diz Henrique Castro, professor de finanças da FGV EESP.
Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de serviços financeiros do Idec, corrobora o sentimento e aponta inclusive outras mudanças que podem ter ajudado na queda dos valores.
O controle temporário das taxas de juros de cartão de crédito por conta da pandemia e as regras do BC: uma que limitou o crédito rotativo e outra que criou um teto de juros de "módicos" 151,8% ao ano para cheque especial, podem ter ajudado a fechar essa conta, segundo a especialista.
"Como tivemos a introdução dessas medidas de contenção, fica difícil apontar o responsável por estes resultados. Na minha visão, o desafio continua o mesmo, educar as pessoas para saber utilizar o serviço ao seu favor", diz.
Falta de dados
No material disponibilizado sobre o tema, o BC contemporiza ainda que a base de dados ainda está "incompleta". Isso porque o serviço segue sem dados provenientes de empresas prestadoras de serviços de água, esgoto, luz, gás e telecomunicações, o que seria essencial para a inclusão de uma parcela desbancarizada da população na lista de bons pagadores.
Elias Sfeir, presidente Associação Nacional dos Bureaus de Crédito, afirma que o processo tem tido alguns entraves. "Cada setor tem sua maturidade tecnológica, mas a maioria já começou a se movimentar para se adequar ao processo. As teles, por exemplo, já começaram a nos enviar os dados, mas estamos tendo mais dificuldades com o setor de saneamento", diz.
De acordo com a autarquia, as empresas fornecedoras de serviços como água e luz têm enfrentado dificuldades para organizar os dados. Além disso, há um custo envolvido no envio. O BC cita ainda a “desconsideração da importância e dos benefícios do cadastro positivo para a sociedade”. Como não há previsão de penalidade para as empresas, a remessa de informações é deficiente.
Gardel Filho, da Boa Vista, é mais taxativo. "Falta vontade e compromisso. Entendemos que existe um custo e estamos tentando fazer a ponte com as empresas, mas elas precisam querer e cumprir a regulação", afirma.
Open Banking
Com a agenda de modernização do BC avançando, o Cadastro Positivo passará a dividir as atenções, em termos de dados, com o Open Banking, que deve ser implementado em 2021 (a segunda fase está prevista para o dia 15 de julho). Para Thaís Cíntia Cárnio, especialista em Banking e professora professora de Direito das Relações Econômicas Internacionais e Mercado Financeiro do Mackenzie, o processo pode confundir alguns consumidores.
Já Ricardo Thomaziello, CDO da Quod, entende que os serviços são complementares e criarão um ambiente mais saudável para o consumidor. "É uma perspectiva excelente, porque o Cadastro Positivo e o Open Banking se conversam. Se uma instituição consegue informações do consumidor e junta isso ao seu score de crédito, terá um potencial muito maior de alcance", diz.
Política Monetária
Antes que a janela dos juros em mínima histórica pudesse de fato ser aproveitada pela população, o Banco Central precisou mudar sua política monetária para conter o avanço da inflação. Caso o Copom confirme a elevação de 0,75% p.p. na taxa Selic nesta quarta-feira (16), será o terceiro movimento consecutivo do mesmo grau, elevando a taxa básica para 4,5% ao ano.
Para Castro, da FGV, o aumento sucessivo dos juros pode acabar corroendo o benefício alcançado em 2020. Thomaziello, da Quod, acredita que o alto nível de concorrência do mercado será o suficiente para impedir que os patamares voltem a crescer desordenadamente. "Com o país saindo da pandemia, o crédito será importante para estimular a economia."
Futuro
Apesar dos pontos de interrogação, a sensação, pelo menos por parte dos birôs, é que a janela de oportunidade foi apenas postergada. Sfeir, da ANBC, afirma que a prioridade é fazer com que a relação entre crédito e o PIB continue crescendo no país.
O valor, que estava em 53,6% em abril, pode chegar, segundo o executivo, a cerca de 59% em 2023 juntamente com a retomada do país. Em países da Europa e nos Estados Unidos, esse valor é superior a 100%.
Sobre os R$ 1,3 trilhão, os players setor pregam que a economia deve se recuperar primeiro, mas que o valor segue no horizonte. Serasa Experian e SPC Brasil foram procuradas pela reportagem, mas não se manifestaram até o fechamento do texto.