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Juros da dívida: se vale para o público, vale para o privado

Especialistas dizem que a sistemática dos juros simples, se usada para reduzir as dívidas dos governos estaduais, deveria ser adotada para o cálculo de débitos entre empresas e o poder público

A dívida dos estados será um dos problemas que o governo interino do presidente Michel Temer terá de contornar. A tentativa dos governadores de redefinirem a base de cálculo para seus débitos, reduzindo assim o total a pagar à União, segue na contramão doajuste fiscal idealizado pela nova equipe econômica do governo federal.

Mas o problema pode espraiar para outros campos caso a proposta dos governadores seja vitoriosa, voltando-se, inclusive, contra as suas próprias administrações. Na avaliação do advogado Fernando Facury Scaff, professor da Faculdade de direito da USP, a mesma sistemática usada para reduzir a dívida dos estados poderia ser usada como base de cálculo das dívidas entre o setor privado e as diferentes esferas do poder público.

“É uma questão de isonomia. As empresas podem exigir na Justiça essa mesma sistemática para o cálculo das dívidas negociadas por meio de programas de refinanciamento, como Refis estaduais ou PPIs municipais”, disse Scaff durante reunião do Conselho de Altos Estudos de Finanças e Tributação (Caeft), da Associação Comercial de São Paulo (ACSP).

Durante a reunião, o professor da USP disse que as empresas já deveriam se preparar para entrar com liminares exigindo a parametrização nos cálculos. “Claro que o estado não gera caixa, tem de distribuir a riqueza, isso eu entendo. Mas não vejo justificativa para que o débito do setor privado com o governo seja calculado de maneira diferente do débito dos estados com a União”, comentou Scaff.

O PROBLEMA

A divergência tem como ponto central uma lei de 2014 que prevê desconto, dado pela União, para as dívidas estaduais. Esse desconto, pela lei, é baseado na diferença entra o saldo devedor e o saldo calculado de acordo com a variação acumulada da taxa Selic desde os anos de 1990, quando o Tesouro Nacional refinanciou as dívidas estaduais.

Para a União, a variação acumulada da Selic deve ser calculada aplicando-se os chamados juros compostos – juros sobre juros -, como é feito nos contratos de empréstimos usualmente firmados no país.

Por sua vez, os estados alegam que o cálculo teria de ser feito com base em juros simples, o que aumentaria consideravelmente os descontos que receberiam.

Diante do embate, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu 60 dias, que começaram a contar ao final de abril, para que a União e os governadores se entendam. Se no prazo não houver definição, o próprio STF deve definir a base para o cálculo.

Os valores em jogo são enormes. A dívida dos estados com o governo federal supera os R$ 400 bilhões. Mas caso a sistemática dos juros simples prevaleça, como querem os governadores, o desconto dado superaria dos R$ 300 bilhões.

Durante o encontro do Caeft, Isaias Coelho, pesquisador sênior do Núcleo de Estudos Fiscais (NEF) da FGV, lembrou que pela lógica dos juros simples alguns estados deixariam de ser devedores, passando a ser credores da União, caso de Amazonas, Bahia, Ceará, Roraima, Acre, Pará, Paraná, entre outros. A dívida de São Paulo, hoje em R$ 186 bilhões, cairia para R$ 48 bilhões.

Coelho lembrou que os estados não fizeram a lição de casa, reduzindo custos. Ele apresentou números que mostram que, enquanto os gastos com encargos e pessoal da União diminuíram de 4,6% para 4% do orçamento entre 2009 e 2015, o dos estados cresceu de 4,85% para 5,38% em igual período.

“Não é com uma mudança de norma que os problemas dos estados irão se resolver. Trata-se de um problema de gestão”, diz o pesquisador da FGV.

Nesse ínterim, enquanto corre o prazo de 60 dias, vários estados conseguiram liminares, concedidas pelo próprio Supremo, para pagar as parcelas mensais das suas dívidas com base em juros simples, reduzindo assim o montante a ser pago. O governo federal estima o prejuízo em R$ 2,6 bilhões somente em abril.

“É importante lembrar que o passivo dos estados foi assumido com o aval das respectivas Assembleias Legislativas”, disse José Tadeu de Chiara, professor do departamento de direito econômico-financeiro da USP. “No Brasil acostumou-se a administrar deformidades”, completou o professor durante a reunião do Caeft.