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Analista de sistemas que prestava serviços por meio de cooperativa tem vínculo de emprego reconhecido com empresa de energia
Um analista desenvolvedor de sistemas obteve o reconhecimento da relação de emprego com uma distribuidora de energia para a qual prestava serviços por meio de uma cooperativa de tecnologia da informação.
Um analista desenvolvedor de sistemas obteve o reconhecimento da relação de emprego com uma distribuidora de energia para a qual prestava serviços por meio de uma cooperativa de tecnologia da informação. A decisão é do juiz Luiz Olympio Brandão Vidal, titular da Vara do Trabalho de Cataguases, que identificou, no caso, a presença da subordinação direta à tomadora dos serviços.
A empresa de energia e a cooperativa firmaram “Contrato de Prestação de Serviços Especializados em Desenvolvimento e Suporte de Sistemas” no período de 27/3/13 a 31/12/18. Mas, ao analisar as provas, o julgador constatou que a tomadora era quem dirigia os serviços, atuando como empregadora. Nesse contexto, acatou o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego diretamente com a tomadora de serviços.
Contribuiu para o entendimento do magistrado a apresentação, no processo, de cópia de mensagem eletrônica (e-mail) transmitida pelo gestor da empresa de energia em que eram apontadas falhas nos serviços de TI. O julgador chamou atenção para a carga diretiva e disciplinar contida no fim da mensagem: “Não é aceitável não finalizarmos isso amanhã. Informem o que precisa ser feito e quem está com o que para que dê preferência finalize hoje”.
Além disso, testemunha relatou que o diretor da cooperativa cuidava de demandas administrativas, como ar-condicionado, computador e mesa estragados, enfim, responsável pela administração da cooperativa, e não gestor do contrato de prestação de serviços. Outra testemunha esclareceu que a interação dos gestores da empresa de energia com os cooperados era para verificar questões técnicas e de desenvolvimento de sistemas, bem como de cobrança, por exemplo, alguma pendência ou atraso por parte de alguma equipe.
Com base nessas e outras provas, o magistrado reconheceu que a empresa tomadora dos serviços determinava aos cooperados o que fazer, quando e como fazer. Ela interferia diretamente e direcionava o trabalho dos cooperados.
Intermediação de mão de obra subordinada
A menção por testemunha à existência de um cronograma a ser seguido não impressionou o magistrado. Para ele, isso é natural em um contrato de prestação de serviços da área de tecnologia da informação, para atender às demandas da contratante. No entanto, ressaltou que “a exigência de observância no cumprimento desse cronograma não pode ser imposta aos cooperados por empregado da tomadora, senão pelos coordenadores da cooperativa, os quais devem decidir, em assembleia com os associados, a forma como estes serviços serão prestados.”
Ainda de acordo com o juiz, para a validade da cooperativa, o exercício das atividades do cooperado tem de se dar com autonomia, conforme artigo 2º, caput, da Lei 12.690/2012, que regulamenta as cooperativas de trabalho. Se isso não acontecer, terá havido a utilização da cooperativa para intermediação de mão de obra subordinada, o que viola a norma do artigo 5º da lei.
Houve prova de que a cooperativa fornecia mão de obra para diversos tomadores, embora o profissional prestasse serviços apenas à distribuidora de energia, o que reforçou a convicção do magistrado quanto à intermediação de mão de obra subordinada.
Com relação à prestação de serviços na atividade-fim da tomadora, o juiz explicou que o aspecto não deve mais ser levado em consideração para a definição do liame empregatício. É que a terceirização de atividade-fim passou a ser admitida pelo Supremo Tribunal Federal (ADPF 324/DF e do RE 958252/MG). “Isso, só por si, não leva à nulidade do vínculo de cooperado, nem torna o analista automaticamente empregado da empresa, pois a terceirização de atividades-fim deixou de ser ilícito trabalhista”, registrou.
Segundo a sentença, evidentemente que, se a direção dos serviços for realizada pela entidade tomadora, o vínculo se formará com ela, em razão da presença da subordinação direta, bem como os demais elementos configuradores da relação jurídica de emprego, previstos na CLT. O entendimento se baseia no artigo 4º-A, parágrafo 1º, da Lei 6.019/1974, com modificação inserida pela Lei 13.467/2017, bem como pelo artigo 5º da Lei 12.690/2012, segundo o qual a cooperativa de trabalho não pode ser utilizada para intermediação de mão de obra subordinada.
As atividades prestadas pelo analista desenvolvedor ocorreram, na quase totalidade do tempo, no estabelecimento da cooperativa, em Belo Horizonte, e poucas vezes ele esteve na sede da tomadora dos serviços, em Cataguases.
No caso, a cooperativa apenas proporcionava um local de trabalho, assim como os equipamentos necessários, e nenhum outro benefício direto ou indireto. O juiz ponderou que o fato de o cooperado poder auferir, em caso de captação de algum cliente para a cooperativa, um valor relativo à taxa de captação, como esclarecido na prova testemunhal, cobrada dos outros cooperados, não o torna cliente, sendo, antes, mera retribuição (ou prêmio) pela captação do negócio.
Retribuição diferenciada
Por outro lado, o julgador considerou que foi atendido o princípio da retribuição material diferenciada, segundo o qual “a cooperativa permite que o cooperado obtenha uma retribuição pessoal, em virtude de sua atividade autônoma, superior àquilo que obteria caso não estivesse associado”. A prova oral evidenciou que o cooperado recebia bem mais que empregado da empresa tomadora no exercício da mesma atividade. Uma testemunha disse que recebia, como empregado, a quantia de R$ 5.750,00 brutos, ao passo que, na condição de cooperado, passou a receber valor líquido de R$ 8 mil.
Ausência de autogestão
Como exposto na decisão, os princípios exigidos para validade da cooperativa de trabalho devem estar presentes concomitantemente, sob pena de restar desfigurada a relação autêntica de associativismo. Nesse sentido, a Lei 12.690/2012 considera, em seu artigo 2º, cooperativa de trabalho “a sociedade constituída por trabalhadores para o exercício de suas atividades laborativas ou profissionais com proveito comum, autonomia e autogestão para obterem melhor qualificação, renda, situação socioeconômica e condições gerais de trabalho”.
Além disso, o parágrafo 1º do artigo 2º prevê que a autonomia de que trata o caput do artigo deve ser exercida de forma coletiva e coordenada, mediante a fixação, em assembleia geral, das regras de funcionamento da cooperativa e da forma de execução dos trabalhos, nos termos da lei.
Ao avaliar as provas, o julgador não encontrou indicação de que, na cooperativa, houvesse exercício coordenado e coletivo de regras de funcionamento, ou fixação, em assembleia geral, da forma da execução dos trabalhos. Observou não constar dos autos a realização da autogestão, ou seja, de um processo democrático no qual os sócios decidiram sobre a forma de execução dos trabalhos.
Condenação
Diante do contexto apurado, o juiz declarou nulo o vínculo de cooperado entre o analista desenvolvedor e a cooperativa, nos termos do artigo 9º da CLT, e reconheceu a relação de emprego com a distribuidora de energia no período de 11/4/2016 a 31/12/2018. A condenação envolveu o pagamento de aviso-prévio, férias + 1/3, 13º salários, FGTS + 40%, observada a evolução salarial constante dos RPAs (recibos de pagamento a autônomo), assim como multa prevista no artigo 477 da CLT. Um acordo coletivo de trabalho juntado aos autos garantiu ao trabalhador ainda o direito a abono eventual, PLR e auxílio-alimentação.
As envolvidas foram condenadas de forma solidária. “Ambas se irmanaram para a prática do ilícito trabalhista, atraindo, pois, por analogia, o disposto na segunda parte do artigo 942 do Código Civil”, destacou o julgador.
Na decisão, foi determinada a expedição de ofício à Secretaria Especial da Previdência e Trabalho, para que sejam apuradas as infrações administrativas do caso, assim como ao Ministério Público do Trabalho, para ciência e adoção de medidas cabíveis.
Revelia
No caso, a cooperativa não chegou a apresentar defesa, tampouco compareceu à audiência, tornando-se revel. Operou-se, assim, a confissão ficta em relação a ela quanto aos fatos narrados na petição inicial. De todo modo, o julgador destacou que a análise do caso levaria em conta também o princípio da razoabilidade, a prova constituída nos autos e a defesa apresentada pela distribuidora de energia, que recorreu ao TRT-MG. Em grau de recurso, os julgadores da 11ª Turma do TRT-MG mantiveram a sentença. Atualmente, há recurso de revista aguardando decisão no TRT mineiro.